sexta-feira, 6 de maio de 2011

o homem só


                 

    A noite ainda não havia terminado, o céu negro brilhava ao resplendor das estrelas e uma lua minguante deslizava suave, o vento frio alertava que logo a madrugada chegaria. Mas para ele essa madrugada não deveria chegar jamais, as rajadas do vento pareciam cortar-lhe a alma, a barba por fazer, o cabelo em desalinho, a roupa amassada e a vontade de que aquela noite não terminasse nunca.
    Na cabeça as imagens se formavam as lembranças de um tempo voltava à tona, eram sorrisos, abraços, brigas banais, risos infantis e choros acalmados por carinho cheio de afagos.
    De manha se levantava cedo, ajeitava o terninho, segurava firme a pasta. Saia para a escola, no caminho se encontrava com o amigo de sempre, seguiam com passos rápidos sempre pensando no jogo que ia rolar a tarde, o campeonato de bolinha de gude e na queimada com as meninas da rua.
    Na escola não era o melhor, sentava lá atrás, onde podia ficar a vontade e sempre dava uma colinha para os amigos que eram mais disperso que ele...
     Não se podia tudo, mas quase tudo era possível para ele, em casa tinha seus deveres, e ainda ajudava a cuidar das irmãs menores, também por ser o mais velho tinha em si o conselho e a forma certa de acalmar os mais novos, em troca ganhava escondido o olhar carinhoso da mãe, aquela senhora bonita sempre com um coque no alto da cabeça, cabelos negros e olhos grandes o corpo esguio firme, apesar dos filhos ainda guardava o porte seguro de uma mulher sedutora, vivia entre os bordados e as rendas, e assim ajudava o esposo, esse trabalhava duro, chegando muitas vezes tarde do trabalho, e ao chegar tinha sempre um bule de café junto ao fogão, ao lado biscoitos que ela assava em grandes tabuleiros, enquanto no alpendre em frente a casa o sol já havia desaparecido. Olhar os dois juntos naquela cozinha grande o chão brilhava, o reflexo dos dois corpos unidos os braços fortes na cintura fina lembrava uma formiga agarrada a uma arvore, cenas lindas de uma união perfeita, muitas vezes, os olhos choravam, era fim de mês e o pouco que sobrava terminava na madrugada em que se ouvia o som de uma discussão, ele chegara tarde, e mesmo assim ela no dia seguinte, estava com um sorriso nos lábios e dizendo que nosso dia seria um grande dia. Lutara sempre com uma garra por tudo que queria o terreiro era extenso ao longe, bananeiras, goiabeiras e mangueiras no fundo um riozinho corria livre, uma cisterna de onde tirávamos a água para encher os tambores, havia também uma mina entre as arvores onde uma enorme jabuticabeira enchia os olhos e a boca da molecada, aos domingos se levantava cedo, a igreja que ficava a alguns km.
Percorriam a pé e pulando de alegria, papai, mamãe de mãos dadas, e os cinco correndo na frente, sorrisos e a certeza de que depois iríamos brincar na praça enquanto os dois sentados no banco conversariam e nos correríamos ate o rosto ficar vermelho, na praça o jardim com suas flores diversas, coloridas, e um cheiro que não sai da lembrança. Os anos da infância não houve contratempo, mas todo mundo cresce e esse crescer dói.
    Quando a adolescência chegou, sabia que não seria fácil, já de posse de seu diploma era hora de encarar o colegial, as garotas os rapazes mais velhos, estudaria a noite, e ajudaria o pai no campo assim estaria por perto da mãe e continuaria ajudando os irmãos, pensava assim...
    Mas não foi dessa forma que aconteceu chegou uma oportunidade, iria para a cidade grande, moraria com a tia e trabalharia em uma fabrica junto com o tio, assim, recebeu a noticia, o pai queria um doutor dentro de casa, e seria necessário que fosse dessa forma.
    A noticia veio como uma bala destruindo o sonho de estar sempre perto da adorada mãe, como era linda, amiga e meiga e como os anos não passavam para ela, como viveria sem os biscoitos cheirosos e os beijos que ganhava enquanto fingia dormir, e as irmãs, todas três com seus cabelos compridos, trançados e amarrados olhando para o seu rosto esperando a próxima estória que iria começar, e o seu irmão, único irmão sempre calado a olhar a mala sendo arrumada, amarrando um choro e engolindo em seco, a noticia veio como bomba, mas a ultima palavra sempre era a do pai. E se ele disse assim, certamente era o certo.
    O ônibus saiu de madrugada, era a primeira vez que viajava, saindo de perto da mãe, no escuro daquela primeira madrugada sem ela, ele chorou e sentiu a solidão o abandono e chorou ate que adormeceu, chegou à cidade com os primeiros raios de sol, ao olhar os prédios altos um rio cortava a cidade, cheirava mal, ainda se lembrava, do odor o ônibus parou e todos iam descendo devagar, entregando os bilhetes, mas o sentimento que ele tinha naquele momento era o de não entregar e ficar quietinho no final do ônibus, e voltar para trás, lá fora os tios olhavam sorrindo esperando que ele descesse, ele então se levantou devagar, o no começou a se formar, e engolindo as lagrimas pensou nas palavras do pai, seja forte, o homem tem que se desprender cedo e seguir o melhor caminho, e quem disse a ele que esse era o caminho certo? Arrumou a mala e desceu. A rodoviária fedia a restos de comida, papeis e mendigos dormiam nos bancos, o abraço apertado do tio, ele havia engordado a barriga parecia uma bola suspensas segura por uma cinta, o bigode também crescera, era largo e fazia com que seu rosto ficasse mais serio, a sobrancelha estava branca assim como os lados da fronte, o sorriso sempre nos lábios mostrava que os dentes há muito não via um dentista, era a vez de a tia lhe abraçar, ela era magra com os sinais de mulher vaidosa, os cabelos negros caiam nos ombros, cheirava a tinta, os olhos com sombra e na boca pequenas rugas, o batom destacava os dentes brancos, o rosto não dizia muito sobre ela, o abraço foi forte e rápido, disse com voz firme, vamos, pegue suas coisas. Foi caminhando com passos largos, as nádegas remexiam tanto que deixava tonto. as pernas grossas a cintura fina,os seios apareciam no decote avantajado,  aquela mulher era muito diferente de sua mãe, não tinha o olhar gracioso e a doçura de um sorriso, não tinha carinho. Olhava de um lado para o outro como se procurasse alguém. Não esperava ninguém caminhava apenas.
    Parados em frente a uma caminhonete estava os primos, garotos da cidade, com cara de que sabiam muito e já eram rapazes, trabalhavam com o tio no comercio, estudavam a noite, não eram feios, mas muito diferente dele, que tinha os cabelos lisos e um olhar negro combinando com o sorriso e a alegria de viver; ao entrar no carro, ficou ali espremido, porque cada um queria ir à janela. O tio mostrava a cidade, os edifícios enormes, à praça central, o ônibus. Ali não tinha um jardim, uma praça, e nem um gado pastando, apenas pessoas correndo, apressadas, lendo jornal, nas esquinas pessoas querendo atravessar e anúncios diversos, não demorou muito chegara a casa, dois pavimentos em baixo ficava a loja, que logo seria aberta, a escada ficava ao lado onde uma moça loura do outro lado do muro observava, seu olhar era profundo e ao mergulhar ali naqueles olhos, era como se estivesse mergulhando em um lago negro que dava medo, seguiu subindo tropeçando por não conseguir desviar o olhar, todos riram explicando que aquela era Dora, e ela era mesmo linda,
e fascinante, mas tinha um namorado, e ele era muito novo para ela. A grande porta se abriu, de lá de dentro veio duas moças a lhe abraçar, eram as primas, e mal se podiam conter a admiração. Na sala grande os moveis rústicos, cortinas e sofás com grandes almofadas, logo a frente uma copa com mesa grande  com cadeiras estofadas, um aparador, um espelho de onde se via tanto a sala quanto a copa, o chão brilhava o vermelho era vivo, e os tapetes claros davam um toque de realeza, logo a esquerda a grande cozinha o fogão era todo esmaltado, os armários de madeiras e um gato gordo dormia no canto, viu uma imagem ao fundo onde uma santa tinha uma luz vermelha e velas, e uma porta que dava para um quartinho, era ali que se guardava as vassouras os baldes, e todo material de limpeza, tinha uma janela de onde se via o jardim da outra casa, uma cama arrumada onde ele dormiria.
    Deixou a mala em cima da cama, olhou para o pequeno armário onde colocaria as roupas e saiu para ver o quintal, e esse era grande, tinha pés de jabuticaba, manga, ameixa, goiaba e um pé de limão bem ao fundo. Foi devagar sentindo o cheiro de flor e deixando que o sol da manha lhe dourasse o rosto em pequenos vãos que abria entre as folhas, bem no canto dormia um cachorro que ao vê-lo latia, mas logo se acostumou e deixou que o afagasse, o quartinho onde guardava ferramentas viu uma boneca de pano, como sentia falta de sua pequena irmã, e que falta estava lhe fazendo a mãe, era uma dor insuportável e antes que as lagrimas começassem a cair, o tio lhe tomou o ombro, e o fez engolir cada lagrimas que vinha aos olhos estava ali, um homem e um menino que o pai já julgara ser um homem, ele só queria fugir, e ir de encontro aos braços da mãe. O tio lhe apertava o ombro e dizia palavras confortadoras, tão diferentes de seu pai. A tia chamou para um lanche, sentou-se na grande mesa da varanda, comeu o pão com manteiga, o café com leite, uma maça. Olhou para a tia que não tirava os olhos dele, e quando ela sorriu, notou algo estranho naquele olhar. Depois desceu as escadas, olhando mais uma vez na direção da casa ao lado, onde o olhar da vizinha o impressionara, chegou ao armazém do tio. Quando notou a tia atrás de si levou um susto que ele não entendeu porque, atrás do balcão uma moça pálida espanava as mercadorias, um gato dormia no canto, no fundo as caixas empilhadas, a tia pegou uma vassoura e colocou em suas mãos, balde e um pano e assim começou o trabalho.
    Na hora do almoço a salada o arroz e feijão, uma carne seca e um copo de água que lhe trouxeram, sentado no caixote lembrou da mãe, do almoço e do café, na beira do fogão a lenha. Engoliu a comida e logo a tia estava ali olhando com aquele olhar estranho, a tarde  chegou e enfim a noite, os braços doloridos e um aperto do peito, ali naquele banheiro pequeno e escuro, sentia os pingos frios do chuveiro, isso fez com que despertasse e lembrasse do rio que corria no fundo de casa, o sabão escorregadio não cheirava como o que sua mãe fazia e a toalha raspava-lhe as costas como farpas, ao subir os degraus viu por trás da cortina vizinha um sinal de Dora  da manha, lhe olhava fixo e interrogativa, ao bater a porta alguém gritou que entrasse pelo portão ao lado, ou bem pelos fundos, e ele entrou por um corredor que contornava a casa, ficou ao pé da porta sem jeito de entrar, ate que a tia chegou e pedisse para entrar. O prato de comida estava na mesa, sentou e jantou sozinho ouvia-se um murmúrio de conversas e risadas no interior da casa, ao terminar lavou o prato e o talher na pia grande de mármore e sentou no degrau que dava para o quintal, ali sentiu a garganta se fechar em um nó e as lagrimas caindo em cascata por seu rosto jovem, ainda chorava quando o tio lhe abraçou, e entrou ao ouvir o grito da esposa que o chamava no interior, logo depois entrou no pequeno quarto sentindo o cheiro de desinfetante e outros materiais de limpeza.
    Duas horas da manha, alguém lhe tocava, acordou assustado achando que já era hora de se levantar, a tia estava ali, o roupão entreaberto e um cheiro bom, olhava para ele puxando-o para si, beijou-o na boca e ele sem entender o que acontecia sentia seu corpo explorado e seu órgão genital sendo engolido por uma boca nervosa e aflita, ele na posição inocente de menino, sem saber o que fazer, ela então lhe explorou de todas as formas e ao sentir o liquido de si mesmo sair sem saber o que era, teve nojo e vomitou, ela então se levantou, como se nada tivesse acontecido e saiu, ele tremulo, sentia a dor e o abandono, não dormiu o resto da noite, e quando ouviu barulho na cozinha se levantou a tia veio em sua direção, e ao ver toda a sujeira lhe bateu no rosto perguntando porque ainda não limpara a sujeira que fez, nesse instante, ele saiu correndo pulou a grade da casa e so parou quando estava longe, bem longe daquele lugar, não voltou para buscar suas coisas, apenas correu.
    O sol já estava alto quando sentou em uma ribanceira, do outro lado apenas pasto e ovelhas, gado,
 Alguém que lia um livro desceu. Cainhou quase meia hora, ate chegar aquele homem, esse ao vê-lo não disse nada apenas o olhou ofereceu água sentou ali perto, e na sombra da arvore dormiu. Sono pesado cheio de pesadelos.
    Quando acordou a noite ia alto e na mesa ao lado um jarro com água e pão, molho e um pedaço de rapadura do outro lado.
Uma cama vazia aguardava alguém para deitar, o travesseiro tinha cheiro de flores do campo viu que estava com roupas que não eram suas, o teto de telha brilhava e a claridade entrava por gretas da parede de madeira, ao olhar para frente viu que alguém estava sentado na cadeira que balançava devagar, por um instante teve a sensação de que sua mãe estava ali, de alguma forma e passou a mão no cabelo molhado de suor, fechou os olhos e sentiu que alguém lhe tocava a testa, ajeitou o cobertor ate os ombros e saiu. Não viu mais nada.
    O cheiro de café e bolo vinha da direção porta e vozes alegres falavam dele, sentindo a paz e o aconchego se levantou devagar, as lembranças dos tios e primos vieram em sua direção, o que
 fez retrair sem saber o que fazer, nessa hora a porta se abriu, e uma jovem senhora veio sorrindo ao seu encontro, atrás uma menina da idade de sua irmãzinha e outro menino mais velho lhe olhavam um bebe se arrastava no chão da casa e um homem com traços rudes mas de olhos suaves lhe olhavam. Foi a bela senhora que lhe deu o primeiro bom dia em seguida os outros e ao se sentar na mesa lhes contou tudo ate onde sabia, e o senhor que nada dissera falou da forma que o encontrou e o trouxe para casa, falou dos delírios, do que dizia e foi ai que ele viu que nem todo mundo era igual aos tios, foi ali naquela roça que aprendeu o oficio de marceneiro, pintor e também pedreiro, mas tinha dentro de si o desejo que ardia, iria estudar e ser doutor, para isso que fora ali, e foi assim na  vila , a pequena cidade escondida no vale,encantadora, e simples que ele chegou a maturidade, o dia amanhecia e logo estava na roça, no curral trazendo leite, colhendo as verduras que seriam vendidas na cidade grande, o grande chapéu escondia o seu belo rosto, o cabelo negro era cortado reto, pouco falava, mas nada escondia do passado e a saudade dos pais ainda o perseguia.
    Olhava no espelho o rosto, se barbeava e passava a colônia colocava camisa branca e ia para a igreja, cedo tinha o culto ali cantava, louvava e saia levando a bênção no coração. O domingo era sempre igual, após lavar a louça e secar ajeitava o violão e tocava. s crianças cresceram os dois envelheceram e ele já era homem feito, precisava decidir o que fazer na vida, ao ouvir o som do violão, os dois em suas redes dormiam e o que antes era um bebe, ajeitava a calça e a camisa pegando um boné saia para o encontro, os anos passaram e ele nem percebeu o quanto fora feliz; mas alguma coisa o incomodava, era o sonho o desejo de algo que não sabia o que era, olhou os dois dormindo, olhou para si mesmo, e decidido, resolveu partir, juntou o que arrecadara ao longo dos anos, e prometeu voltar, mas não sem antes cumprir o que viera ali fazer, ao abraçar os dois, na despedida deixou Jane na porta ao lado dela Tiago, o namorado, no fundo Julio tentava fazer o filho parar de chorar e Pedro tentava segurar a lagrima que teimava em cair.
    Chegou à cidade com seu jeito caipira mas com palavras bem faladas e esclarecidas, alugou um quarto na pensão, no dia seguinte procuraria emprego, já tinha na mente onde iria, nas idas e vindas conhecera muita gente e o comercio era familiar, ia montar um negocio, mas para isso precisava de capital, e esse capital ele sabia onde encontrar.
    Saiu na noite escura e a voz de Juliana veio em sua memória, pedindo para que ele tomasse os devidos cuidados e não se envolvesse com qualquer uma, cuidado com os homens da cidade, era tanto cuidado, assim como tratava os filhos, assim o tratava, não deixou nada a desejar de uma mãe, e ele não iria decepcionar nem a ela e nem a sua mãe, sentiu o cheiro da vida noturna, os bares e as boates, que tanto Julieta temia e alertava, o que tinha ali? Sua mente não guiava seus passos, pois foi ali que ele entrou, seu cabelo liso e seus olhos negros sua altura e seu porte atlético chamou logo a atenção, ao entrar não percebeu que alguém o olhava, e foi sentar-se ao fundo, ali podia ver quem chegava e quem saia, e ela veio ao seu encontro, os anos não fizeram grandes mudanças, apenas gastou um pouco a pele e o cabelo ainda eram louros, o corpo que ele vira tão pouco ainda guardava certo ar de juventude.
    Dora estava ali bem à sua frente, e ele homem feito, não havia percebido o quanto aquele olhar lhe fizera falta, ela então se sentou a sua frente, e falaram-se por muito tempo, nada disse a respeito dos tios, apenas dela mesma e o porque de estar ali naquela vida, ao sair deixou na mesa o valor da bebida e da noite que ela cobrara. Prometeu voltar, mas sabia que ali não pisaria mais. Ele seria mais um na vida dela.
    Chegou ao quarto da pensão e viu na porta correspondências, era de Juliana avisando que naquela noite o esposo falecera, e que era preciso ir vê-la.
    Ali chegando se lembrou da primeira noite que chegou, do primeiro amanhecer da força e agilidade daquele homem, de tudo que fizera por ele, aquela sua família precisava mais do que nunca de sua mão. E foi o que fez.
    O dia nascera limpo sem nuvens e o ar seco indicava o calor, a viagem fora cansativa o trabalho na empresa estava sendo satisfatório, era motorista e o caminhão levava para outros estados o fruto de granjas e hortas do campo. Mãos firmes no volante e uma estrada adiante sentiam que ficava para trás mais uma família, mais um capitulo de sua vida.
    A estrada ficava cada vez mais quente, dali a algumas horas chegaria ao seu destino, parou para abastecer e tomou o café, bem atrás um velho senhor lhe pedia que pagasse um café, ele pagou e continuou o seu, mas o velho insistia querendo outra coisa, o que ele não pensou duas vezes, pagou e continuou, sentiu que aquele velho queria lhe dizer algo, mas calou, ele então entrou novamente no caminhão e seguiu viagem.
    Chegou a grande São Paulo, edifícios, mansões e um rio fétido cortava o centro se lembrou que antes de sair, Julieta havia pedido que não deixasse de dar noticias, e foi o que ele fez, ao ouvir a voz de Julieta seu coração ficou feliz, ela sabia mais do que ninguém o que ele planejava, e isso o deixou satisfeito, ela o abençoara e ele então se foi.
    Foi ali naquele hall do Grande Hotel que conhecera Mariza, loura e de olhar penetrante, verdes e pintados as roupas negras grudadas no corpo, uma tatuagem iniciando no pescoço terminava no inicio dos seios que quase saiam do decote, os lábios grossos e vermelhos o queixo tinha covas que o deixaram parado no meio do hall sem atitude, com as  folhas de entrega nas mãos.
   Ela era linda e ao perguntar em que podia ajudar, trouxe algo que não se esqueceu nunca, seu sorriso, sua doce voz encheu o de alegria ele sabia que jamais seria o mesmo. Não demorou a estarem todos os dias juntos e enquanto esteve ali na cidade esteve ao lado dela, todas as vezes que estava na cidade era ali que hospedava, não tinha dinheiro para aquele luxo, mas ela fazia com que ele ficasse, e as roupas eram tantas que levaria anos para vestir tudo, sapatos, ate mesmo cartão de credito, mas ela não o apresentava aos pais, nem mesmo deixava que a levasse em casa, dizia que era cedo e eles não estavam preparados, ate que um dia ele estava decidido a colocar um ponto final e a seguiu, viu o carro deslizar por uma avenida e parar em um grande condomínio, esperou para entrar, o porteiro não deixou, anunciou o nome da pessoa procurada, e não existia nenhuma Mariza ali no local, no outro dia, perguntou onde ela morava e ela mentindo deu outro endereço, naquela noite fingia que dormia e enquanto ela tomava o banho, olhou na bolsa, pegando ali um cartão, era de um advogado, pensou que sendo assim ele teria condição de chegar ao fim do mistério, no outro dia cedo, buscou o cartão e foi em direção ao endereço, viajaria ainda naquela tarde, era preciso desvendar logo, foi assim que descobriu Mariza era casada e tinha dois filhos, e gerenciava o Grande Hotel, que era também de seu esposo. Agora sim, via o risco que corria.
    Saiu naquela tarde, levando tudo que ela lhe dera, e disposto a nunca mais procurar por ela, foi pensando assim que saiu apressado, olhando para trás, viu que ela estava envolvida com tantos hospedes que nem notaria sua ausência. O horário deles estava perto e foi melhor assim, sem despedidas, lembrou de Dora, seriam todas iguais?
    Olhou o pequeno hotel em que se hospedara antes, o rio malcheiroso e a falta de um jardim a frente fez com que apresasse a volta para casa.
    Tinha ainda dois dias de vantagem, resolveu passar na pequena cidade em que nascera, olhar os pais e ver como estavam indo, tinha agora condição de ajudar caso precisasse, viu de longe que não mudara muito, ruas de asfalto telefones públicos e a velha praça agora estava cercada de lojas, sorveteria,  ate mesmo uma pequena oficina e uma prefeitura ostentava a bandeira do pais. O caminhão não era novidade, como era no tempo da infância, todo mundo cheirava, pegava, tinha curiosidade. Parou ali a frente da casa, os degraus vermelhos agora eram gastos de cimento, as janelas escuras abertas crianças brincavam na calçada de pedra, não tinha nada que lembrasse a sua casa e parado ali na frente olhava o interior, o jardim tinha flores e uma senhora saia para fora colocando as crianças para dentro, saiu para fora nervosa perguntando o que eu queria, ela era minha mãe, aquela mulher linda da lembrança envelhecera, os cabelos agora eram curtos, vestia um vestido de bolas grandes e segurava no colo uma criança de olhos negros e cabelos lisos chorava pois o rosto estava molhado, ficou ali olhando e como não respondia abriu o portão, e quando percebeu a estava abraçando e o rosto de lagrimas e o soluço que seguro por anos saiu da garganta.
  Abraçado a ela viu que ainda era um menino e queria colo.
  Ao entrar tudo era diferente de quando partira, soube que o pai havia muito tempo se enrabichara por outra e saiu pelo mundo, bebia e ficava como andarilho, os irmãos eram casados e aquelas crianças eram sobrinhos, saiu para ver o quintal, sentiu que nada havia mudado, apenas envelhecera, o bambuzal continuava no mesmo lugar, o riozinho agora era poluído e não dava para beber água, nem os peixinhos sobreviveram, a noticia de seu desaparecimento chegou ali, de uma forma diferente da verdade, mas tinham que dar alguma satisfação, ele apenas sorriu e depois de um longo abraço mais uma vez partiu, prometendo voltar o que sabia que não faria.
    Conheceu Sabrina na noite quente do Rio de Janeiro, não entendia porque uma jovem tão linda ficava ali, a espera de quem a quisesse, como se fosse difícil querer aquele corpo e aquele sorriso contagiante, ele a levou com ele e eram como almas gêmeas, riam falavam a mesma língua e não havia hora certos para o amor, juntos fizeram acontecer o amor. Ela estava grávida, e ele queria aquele filho mais que tudo na vida. Alugou uma casinha simples, em um bairro nobre, o que recebia era o suficiente, e tudo estava dando certo, mas no sangue de Sabrina corria um desejo de voltar a vida e a rotina das noites quentes do Rio, e aos poucos o desejo de se tornar dona de casa e mãe de filhos ia desaparecendo,o amor esfriando e ela se viu traindo, o filho crescia e se tornava cada dia mais forte e saudável e o desejo desaparecia pelo marido, e certa noite em uma rua escura, ela se perdeu na boleia de um caminhão, indo embora sem deixar  vestígios, apenas uma carta pedindo perdão e ele ali, com a carta na mão, o filho dormia como se nada estivesse acontecendo, no outro dia o deixou em uma creche e ao voltar do trabalho ele estava queimando em febre e por mais que procurasse não encontrou a mãe, única solução, e depois de muitas noites no hospital, o filho o deixava uma infecção generalizada não deixou que vivesse, no cemitério apenas ele e o caixão, pessoas de outros velórios estiveram ali para despedir do anjinho. O seu anjinho. Sem saber agradeceu a Deus, pois escrevia certo nas linhas tortas.
    Passaram meses ele chegava de uma viagem longa, cansado e com fome.
Naquela noite algo o incomodava, sentia medo, tristeza, como se algo estivesse acontecendo e ele não estivesse sabendo, leu a ultima carta de sua mãe, e essa queria muito vê-lo novamente, lembrou na carta suas travessuras, falou de seu amor e de sua saudade. O abençoou e finalizou.
    Olhou-se no espelho viu pequenos fios brancos se formando, não entendia o porquê de tudo, entendia que precisava de um sentido na vida só não sabia por onde começar caminhou alguns passos e ouviu o telefone tocar, atendeu e saiu.
   Na capela, entrou devagar, sentou no banco e chorou a dor dos mortais, da perda, do abandono.
    Não sentiu quando pequenas mãos lhe apertavam os ombros e acariciava os seus cabelos, em seus ouvidos ouviu as mesmas palavras da infância, o mesmo gesto.
    Levantou-se devagar, não havia ninguém ali, mas a dor passara, saiu devagar e recostou na pilastra, dali a pouco o corpo de sua querida mãe chegaria pela ultima vez a veria.
   
    A noite ainda não havia terminado, o céu negro brilhava ao resplendor das estrelas e uma lua minguante deslizava suave, o vento frio alertava que logo a madrugada chegaria. Mas para ele essa madrugada não deveria chegar jamais, as rajadas do vento pareciam cortar-lhe a alma, a barba por fazer, o cabelo em desalinho, a roupa amassada e a vontade de que aquela noite não terminasse nunca.



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